Qual é o papel da nutrição enteral na doença inflamatória intestinal crônica?

18-fevereiro, 2022

Em todo o mundo, uma porcentagem crescente de pessoas sofre com as doenças inflamatórias intestinais crônicas, que são a doença de Chron e a colite ulcerativa1. Já faz alguns anos que um artigo publicado na revista científica Gastroenterology demonstrou que a incidência dessas patologias aumenta principalmente em países desenvolvidos, como aqueles localizados na América do Norte e na Europa.2
Essa observação é um dos fatores que indicam que tais doenças têm forte conexão com o fatores ambientais, estilo de vida e hábitos alimentares. Não é à toa que as intervenções dietéticas vêm sendo estudadas como forma de tratamento para as doenças intestinais crônicas1.
Como veremos mais adiante, em determinados casos, a nutrição enteral total ou parcial pode ser indicada como medida para aliviar os sintomas e reduzir os níveis de inflamação apresentados pelo paciente.1 Para entender porque existe essa indicação, vamos nos aprofundar um pouco mais no tema a seguir.

Dieta e saúde intestinal

A nutrição está conectada à saúde intestinal de diversas maneiras. Diferentes alimentos podem modificar a permeabilidade intestinal, a integridade da mucosa intestinal e a microbiota presente no órgão.2
Dietas ricas em gorduras saturadas (leite e derivados, carnes vermelhas, embutidos, óleo de coco), por exemplo, provocam respostas pró-inflamatórias e prejudicam o sistema de defesa proporcionado pela microbiota intestinal.3,4 Alimentos processados que contêm aditivos emulsificantes carboximetilcelulose e polissorbato-80 também prejudicam a microbiota, reduzindo sua diversidade e a translocação bacteriana.3

Já as fibras solúveis associadas aos amidos resistentes (ex.: grãos, batata, macarrão, banana) modificam de forma positiva a microbiota intestinal e possuem ação anti-inflamatória. Da mesma forma, a vitamina D é um importante regulador do sistema de defesa do organismo e apoia a restauração do equilíbrio da microbiota.2,3
Entre os ácidos graxos insaturados, tem função anti-inflamatória a família do ômega-3 (azeite de oliva, óleo de canola, linhaça, abacate, óleo de peixe) e deve-se evitar a ingestão em excesso de ômega-6 (óleos de milho, amendoim, algodão, gergelim, cártamo, girassol e prímula, além de margarina, maionese e oleaginosas), que pode se tornar pró-inflamatória.4,5

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Benefícios da nutrição enteral

Quando existem complicações, principalmente em indivíduos desnutridos, o médico pode considerar como alternativa o uso de nutrição enteral. Nesses casos, busca-se obter um controle sobre os componentes da dieta ingerida, em comparação com a alimentação regular, reduzindo ou eliminando alimentos que possam desencadear sintomas desagradáveis e priorizando nutrientes que possam beneficiar o prognóstico do paciente.1
A nutrição enteral exclusiva normalmente é indicada com duração aproximada de 12 semanas e, na sequência, a alimentação via oral é introduzida de forma gradativa. Tanto a fórmula polimérica (que contêm proteínas, carboidratos e gorduras íntegros e baixa osmolaridade), quanto a oligomérica (com proteínas hidrolisadas, deixando poucos resíduos não digeridos e osmolaridade alta) são eficientes.5
O tratamento com nutrição enteral exclusiva por 4 a 10 semanas pode levar à remissão em cerca de 86% dos pacientes pediátricos. Esse benefício é especialmente interessante nessa população porque evita o uso de drogas que podem ter como efeito colateral o retardo no crescimento.3 Vale ressaltar que, além de reduzir a disbiose, a dienta enteral em pacientes pediátricos também demonstrou ser eficaz para a redução efetiva da inflamação intestinal.
Um desafio, entretanto, para essa linha de tratamento é a dificuldade de adesão.1 Assim, vem sendo estudada, anternativamente, o uso da nutrição enteral parcial para prevenir recidivas. Nesse cenário, metade da ingestão calórica necessária é realizada por meio de de nutrição enteral, com administração noturna, e dieta regular durante o dia.3

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Referências


1. MOLODECKY, NA. et al. Increasing Incidence a nd Prevalence of the Inflammatory Bowel Diseases With Time, Based on Systematic Review Gastr oenterology. Volume 142, Issue 1, January 2012, Pages 46 54.e42. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0016508511013783#a ep abstract sec id13

2. LEWIS, JD; ABREU, MT. Diet as a Trigger or Therapy for Inflammatory Bowel Diseases Gastroenterology. 2017 Feb;152(2):398 414.e6. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27793606/

3. ZHOU YQ; XU RY; WAN YP. The role of dietary factors in inflammatory bowel diseases: New perspectives J Dig Dis 2019;20(1):11 17. Dispo nível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30444028/

4. SANTOS RD, GAGLIARDI AC, XAVIER HT, MAGNONI CD, CASSANI R, LOTTENBERG AM et al., and S. B. Cardiologia. First guidelines on fat consumption and cardiovascular health Arq Bras Cardiol 2013;100(1 Suppl 3):1 40.

5. SIGALL BONEH R, LEVINE A, LOMER M, WIERDSMA N, ALLAN P, FIORINO G ET AL Research gaps in diet and nutrition in inflammatory bowel disease A topical review by D ECCO Working Group [Dietitians of ECCO]. J Crohns Colitis 2017;11(12):1407 1419. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28961811/

 

 

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